sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A Rã

Não lembro exatamente o que iria fazer; se ia beber um copo com água na cozinha ou estender alguma toalha na área de serviço... Quando estiquei o braço para apertar o interruptor e acender a luz, algo frio caiu em minha mão... “Ai! Que é isso?...” Quando acendi a luz ela estava lá... Pálida, pequena, com seus olhos destacadamente pretos, encolhida, grudada na parede olhando fixamente para mim... “Quê? Uma perereca? Que nojo! Como isso veio parar aqui no meu apartamento?” Só que minha preocupação era saber como tirar aquilo do meu doce lar, que invasão horrenda, detesto todos esses bichos; formigas, baratas, aranhas, traças, minhocas, lagartixas, pulgas, carrapatos, piolhos e isso inclui sapos também... Bati os pés no chão ela nem se movia, fiz mais fortemente trupes, nada, sacudi os braços na tentativa de espanta – lá... “Aaaa sai daqui!!!” Olhei a vassoura pendurada pensei em pega-lá... “Mais se ela pular em mim”? Mais gritos, mais sapateados, mais batidas de palmas... “hueb, hueb!” Em vão, estava como uma ventosa bem apregoada no azulejo da minha cozinha... Passei um tempão a olhando sem saber o que fazer. Já eram altas horas nem o porteiro eu podia chamar para me socorrer daquela monstruosidade que atrapalhava minha calma... Fui levantando o braço lentamente, estiquei o dedo indicador em direção ao interruptor... Achei que talvez apagando a luz ela fugisse... “hueb...” Corri para o quarto tranquei a porta, me atirei na cama e me cobri com a coberta da cabeça aos pés... “Como uma coisa daquele veio parar aqui em cima, no meu apartamento?” Fiquei a imaginar como ela teria chegado até ali... Adormeci... “hueb, hueb, hueb...” Despertei do sono e a cantoria daquela bendita rã foi ficando cada vez mais alto... Mais alto coaxava... “Hueb, hueb...” Não sei como um bicho tão pequeno como aquele tinha um coaxado tão alto... E perturbava, perturbava... Assim se seguiram por todas as noites, a coisa me recebia quando chegava do trabalho... Ora dava um salto que não sei de onde partia às vezes da janela, no armário, na parede, na porta, no chão, ela sempre achava um jeito para me assustar... O porteiro já tinha investigado todo o apartamento minuciosamente e não a encontrará... Se não a visse ela se anunciava perturbando meu sagrado sono com seu poderoso coaxado... Enfim passei a conviver com aquele som que me “acalentava” na hora de dormir... Mas já há algumas noites me encontrava diferente, não sabia explicar bem porque, mais a solidão estava se tornando maior que antes, estava me acordando durante a noite ou demorava a adormecer... Acho que no segundo ou terceiro dia dessa angústia não querendo mais que as lágrimas derramassem, lembrei de um bolo de chocolate que comprei e ainda não tinha nem partido... Abri lentamente a porta da geladeira o brilho das raspas de chocolate me deu água na boca... Peguei aquela bandeja como a um troféu... “Vou detonar você queridinha... Ah! Meus deuses...” Por detrás da bandeja da torta estava ela, morta, com todas as patas bem esticadas, de pálida para cinza... “Coitada morreu congelada...” Senti que meus olhos marejaram de lágrimas, não sei quanto tempo fiquei de pé com a porta da geladeira aberta olhando para ela, a rã sem vida, sem coaxados, sem pulos... Interfonei para a portaria... “trim... trim... trim...” “Não acredito que farei isso sozinha!” Peguei o papel toalha, repleta de nojo, minha mão suava e tremia... “Herg! Deuses...” Segurei na pontinha do dedo de sua patinha e rapidamente pisei no pedal do lixo a tampa abriu... “Não!...” “Não? Você estava morta...” “Também achei mais você me salvou...” “Eu te salvei?” “Sim! Eu vivia sozinha na grama e desde que cheguei nesse apartamento você foi minha companhia, todos os dias tentava falar com você, mas me ignorava, era engraçado suas tentativas de me espantar, você é bailarina?” “Eu bailarina?” “É, você sapateia muito bem ou é axé que você faz sacudindo os braços assim...” “Quê?” “Como tentei falar com você, como não consegui, então me restava cantar pra você dormir...” “Não, não, isso não esta acontecendo, me morde para ver se é verdade...” Então a danada deu uma dentada no meu braço, quando olhei percebi que começou a jorrar sangue mais não era sangue vermelho não, era sangue azul... Jorrou muito parecia uma cachoeira... “Vem!” A perereca me pegou pela mão montada num pires de porcelana branco e começamos a surfar sobre a cachoeira... “Huhuhu!” Surfamos por toda a cozinha gargalhando, meu coração nunca esteve tão acelerado e feliz... ”Vê isto, olha o que eu consigo fazer” Ela colocou seus dedinhos na tomada do café e ficou piscando como luzes de natal... “Eu sabia que no dia que você me entendesse poderíamos ser grandes amigas, você sempre está só nesse apartamento, nunca recebe visitas, não tem namorado?” “Chega isso é demais conversar com uma rã, ninguém em sã consciência faria isso, estou ficando louca...” “Você não esta já te provei isso, te mordi bem forte...” “Chega! Você não é real! Sua perereca... eu tenho nojo de você!” “Sou um sapo, e você não tem nojo de mim não...” Saltou para minha mão percebi que de cinza foi se transformando num sapo verde, grande, maior do que eu, no meio do seu peito um coração de rubi vermelho palpitava, estava com sapatos pretos bem lustrados de cartola e bengala, em suas costas azas prateada batiam soltando um pó reluzente... “Dá-me um beijo?” “Quê? É loucura... não vá me dizer que vai se transformar num príncipe?” “Beije- me e veras...” O beijei.

3 comentários:

  1. Muito bem, Andala, o caminho do maravilhoso na escrita é este! O exercício da imaginação faz sempre bem a alma. Vá, ouse, faça, você pode! Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. O tom poético permeado nas palavras de uma grande escritora. Ás vezes estamos rodeado de gente e mesmo assim nos sentimos sós. Esse texto clarifica para que nós possamos dar chance a nós mesmos e redescobrirmos as pessoas que estão ao nosso redor e assim podemos descobrir coisas inesperadas. Pintamos o bonito porque aquilo nos parece feio. Parabéns a essa grande poetisa e escritora.

    ResponderExcluir
  3. Andalita,

    Como havia prometido agora estou cumprindo.
    Visitei seu blog e comentei, ou melhor, estou comentando com amigos, visinhos e todos aqueles que amam ler e desfrutar de boas leituras.
    Boas leituras?...
    Sim Andala, vc escreve muito bem. A arte de escrever não é para todos. Gostei do texto e recomendo a continuação. òtima inspiração.
    Detalhe: Coloquei-me no lugar da personagem, pois também tenho medo de insetos.
    Mas até que o sapinho, a rã eseus parentinhos são bonitinhos, porém deixe-os na lagoa bem, mas muito longe de mim!

    ResponderExcluir