sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Sapato

Gotículas de chuva atravessaram a fresta da janela e caíram sobre seu rosto... Ela despertou e lutava contra a vontade de seus olhos abrirem e permanecia-os apertando... Seus pés pendiam para fora da cama como se quisessem caminhar... Ela os colocava para cima novamente... Estava forçadamente agindo contra a vontade de seu corpo, ele queria continuar o dia, Ela desejava a eternidade inteira prostrada na cama...
Percebeu uma claridade por entre seus olhos... “Será que a chuva passou?” E indagou novamente em seu ser... “Será que a chuva passou?” Decidiu então fazer a chuva da desilusão e tristeza sair de dentro dela... Lutando contra si mesma conseguiu enfim abrir lentamente os olhos... “Meu Deus!” Seu quarto antes uma redoma de amor, estava com o teto repleto de traças e teias de aranha, no chão, mal podia ver o piso que estava encoberto de caixas e bolas de lenço de papel que enxugaram antes suas lágrimas... A cômoda com algumas gavetas abertas, vazias... O guarda roupa de casal estava com as portas de um lado abertas, também vazias... Ela sentou-se na cama com a mente em branco... Olhava cada centímetro do quarto e se deparou com sua própria imagem no espelho... Estava ela de rosto inchado, olhos vermelhos e profundas olheiras, cabelos assanhados, sua camisola de renda estava encardida e fedia um misto de suor, lagrimas, secreção e dor... Ela olhava-se... O sol aparecia fortemente fazendo desaparecer a tempestade do dia anterior... Ela sentia que o quarto esquentava... “Vou reagir... Não posso continuar assim... Foi adeus? então adeus...” Levantou-se abriu a janela e de fora escutava o som de carros na rua, pessoas conversando... Passou um tempo olhando a paisagem de concreto que da altura do seu andar se via... De algum lugar alguém tentava sintonizar a radio, pois era alto o chiado que a mudança de estação provocava... Ela ajeitou os cabelos, começou a catar os papeis no chão, fechou raivosamente as gavetas e a porta do guarda roupa... “O canalha deixou tudo limpo... Não, não... Para!” Ela mesma interrompia qualquer pensamento que lembrasse ele... Com as próprias mãos foi retirando as teias e traças no teto... Um som de musica foi invadindo seu quarto e “Atrás da Porta” Ela ouvia e via um sapato, apenas um pé do sapato preto bem lustrado, aquele que tinha o presenteado nas bodas do casamento... Ela desceu de cima da cama pé a pé, foi se agachando ficou de quatro rastejou em direção a porta entre aberta... A musica aumentava seu volume, ela já não sabia se ouvia de fora ou se a canção estava dentro dela... Cada intensidade da voz de Elis vibrava dolorosamente no seu peito... Rastejava lentamente... Sua mão em direção ao sapato tremia... O pegou... Enquanto o olhava relembrou de todo um passado feliz de amor... Não era mais o sapato que estava em suas mãos era ele... Foi aproximando seu corpo ao dele dançaram embalados pela musica, ela o abraçou, o beijou, recostou sua cabeça em seu ombro, era o mesmo corpo viril e quente de sempre... Seu sexo contra ao dele extasiada de prazer... “Esta foi mais uma canção da imortal...” A musica acabou... ela se viu novamente em seu quarto com o sapato entre suas pernas... e foi tomando conta dela toda uma ira que nunca tinha sentido antes... o sapato em suas mãos foi ficando dobrado de tanta força com que ela o apertava... Levantou as mãos em direção ao rosto... olhava o sapato furiosamente... O atirou pela janela...

3 comentários:

  1. Como é interessante a ligação que temos com objetos ... eles nos prendem, nos excitam, nos fazem ter esperança principalmente se estes estiverem em conssonância com alguma lembrança forte, um desejo ávido ou uma pessoa inesquecível. "Sapato" de Andala vem demonstrar que as palavras, assim como os objetos, também propulsam a nos levar num imaginário de turbulentos sentimentos. Uma mistura de talento e riqueza artísticas nos pisoteiam como um sapato arraigado de reflexões dolorosas.

    ResponderExcluir
  2. esses tempos de transição são os mais dificeis, e um danado de um sapato, um papel de cinema, um lenço, uma fivela de cabelo faz tudo voltar na mente!!!!
    que bom que ela atirou longe esse maldito sapato!

    ResponderExcluir
  3. Guardei uma latinha de Coca-Cola por mais de um ano.

    ResponderExcluir